Homilia - Exéquias Bonifácio III
Queridos irmãos e irmãs em Cristo, filhos e filhas da Igreja espalhados pelos quatro cantos da terra, aqui reunidos em comunhão profunda de fé e de esperança: Hoje, sob o peso do luto, mas sustentados pela luz da Ressurreição, celebramos a Páscoa de um homem de Deus, de um pastor segundo o Coração de Cristo, de um sucessor de Pedro que, por breve tempo, mas com força eterna, marcou com o selo do Espírito o rosto da Igreja: o Papa Bonifácio III. “As almas dos justos estão nas mãos de Deus” (Sb 3,1) A primeira leitura que acabamos de ouvir, do Livro da Sabedoria, abre para nós a porta do mistério: o justo, aquele que viveu na fidelidade, não morre — entra na posse da Vida. Bonifácio III, que amou a Igreja com ternura e coragem, agora repousa nas mãos do Deus que o chamou, o formou, e o enviou. Quantas vezes o vimos, já debilitado, subir os degraus deste altar com passo lento, mas com o coração inflamado, como quem sobe o Calvário com Cristo! Quantas vezes o escutamos dizer, com voz trêmula e convicta: “A Igreja ainda permanece pura, porque Aquele que a ama com amor eterno, a santifica com sua Palavra.” Sim, irmãos, esta era a fé do Papa Bonifácio: que a Igreja, por mais ferida que esteja por nossas misérias humanas, permanece esposa do Cordeiro, lavada no sangue redentor de Cristo, santificada pela Palavra que nunca envelhece. Ele acreditava — e nos ensinou a acreditar — que a santidade da Igreja não depende da grandeza dos seus ministros, mas da fidelidade do seu Senhor. Por isso, pôde proclamar com a força de um profeta: “A Igreja vive não pelos méritos dos seus ministros, mas pela fidelidade do seu Fundador.” “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31) Na segunda leitura, São Paulo nos recorda uma certeza que sustentou Bonifácio até o fim: Nada pode nos separar do amor de Deus. Nem a dor, nem a solidão, nem o peso das responsabilidades, nem o medo diante da cruz. Ele carregou a cruz do ministério petrino com humildade, sabendo que o Papa não é um monarca, mas um servo; não é dono da Igreja, mas guardião da fé; não é o sol, mas um reflexo da Luz que é Cristo. E que serenidade emanava do seu olhar! Quem o via rezar, compreendia que a fé, para ele, não era uma teoria, mas uma chama viva. Quem o escutava, percebia que suas palavras nasciam de longas noites de oração silenciosa diante do Santíssimo. Bonifácio foi um Papa reformador — sim, reformador no sentido mais evangélico: aquele que não remodela estruturas apenas, mas que converte corações. Ele nos recordou que a verdadeira reforma da Igreja começa no interior de cada batizado, quando abrimos espaço para o Espírito Santo agir. “Ficai de prontidão, com os rins cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12,35) O Evangelho nos convida à vigilância. E como viveu vigilante este nosso irmão! Esperava o Senhor todos os dias, nas pequenas fidelidades, no amor às pessoas simples, no cuidado pelos pobres, na atenção aos esquecidos. Bonifácio nos ensinou que a vigilância cristã não é ansiedade, mas esperança. Não é medo do futuro, mas confiança no Deus que vem. Ele esperou o Senhor com a lâmpada acesa do amor pastoral, alimentada pelo óleo da caridade e da oração. E agora, podemos imaginar — com fé e ternura — que, ao chegar às portas do Céu, o Senhor lhe disse: “Servo bom e fiel, foste fiel no pouco, entra na alegria do teu Senhor!” O olhar da “janelinha do céu” Queridos irmãos, Bonifácio III não nos deixou. A morte não o retirou do meio de nós — apenas o transfigurou. Agora, da sua “janelinha do céu”, olha-nos com aquele mesmo sorriso manso, e repete as palavras que ecoaram na sua primeira saudação ao mundo, naquela tarde luminosa de 12 de julho: “Não tenhais medo!” Essas palavras, simples e fortes, tornaram-se o testamento do seu pontificado. Ele sabia que o medo paralisa a fé, e que a fé é sempre um ato de coragem: coragem de recomeçar, coragem de perdoar, coragem de amar, coragem de permanecer fiéis quando o vento sopra contrário. “Não tenhais medo!” — dizia ele —, porque a Igreja não é nossa, é de Cristo. E se ela é de Cristo, ela não naufragará, porque o Senhor está no barco, ainda que pareça dormir. O mistério da esperança Hoje, diante de seus restos mortais, sentimos o mistério do tempo e da eternidade se tocarem. O corpo volta ao pó, mas o testemunho permanece, como perfume que não se dissipa. A morte de um Papa é sempre um momento de silêncio profundo. É como se o próprio Céu respirasse conosco, e a terra, por um instante, ficasse suspensa entre o choro e a gratidão. Mas este silêncio não é vazio. É o silêncio da semente lançada na terra, que morre para florescer em plenitude. Bonifácio foi esta semente: pequena aos olhos do mundo, mas fecunda aos olhos de Deus. E sua herança espiritual é clara: Coragem! Coragem para sermos santos no cotidiano. Coragem para reformar o coração antes de reformar as estruturas. Coragem para crer que a Palavra de Deus é mais forte que qualquer crise. Conclusão Querido irmão Bonifácio, agora que contemplas face a face Aquele a quem amaste sem ver, intercede por nós. Olha pelo Colégio dos Cardeais, por este Povo de Deus que tanto confiaste à misericórdia do Senhor. Ensina-nos, mesmo do Céu, a viver as palavras que nos deixaste: “A Igreja é do Senhor, e o Senhor caminha conosco. Não tenhais medo!” E nós, que aqui ficamos, renovamos a nossa fé no Senhor da Vida, que vence a morte e transforma o pranto em canto pascal. Descansa em paz, Santo Padre. A tua missão foi cumprida. O teu testemunho permanece. E a Igreja, que amaste até o fim, ergue hoje o olhar para o Céu e, com lágrimas de saudade e esperança, proclama: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra Cristo continua a edificar a Sua Igreja. E as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” Amém.
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